sexta-feira, 30 de abril de 2021

Fundamentos: Chamadas e Tesouras


Lucas Machado Goulart

Pratico a verdadeira Capoeira Angola e aqui os homens aprendem a ser leais e justos. A lei de Angola que herdei de meus avós é a lei da lealdade. (Mestre Pastinha) 

Mais do que simples movimentos ou expressões, as chamadas e as tesouras são códigos que colocam à prova o conhecimento dos angoleiros. São representações simbólicas que demandam entendimento das “regras” do jogo para que sejam realizadas e respondidas de forma correta.

Estas regras podem ser entendidas como normas éticas de conduta que contribuem para o bom desenvolvimento dos jogos. Sobre isso, o mestre Pastinha dizia: “Infelizmente grande parte dos nossos capoeiristas tem conhecimento muito incompleto das regras da capoeira, pois é o controle do jogo que protege aqueles que a praticam para que não descambe excesso do vale tudo” Essa frase ainda é muito atual e se evidencia em alguns momentos em que as chamadas ou a tesoura são acionadas.

A tesoura é um fundamento da capoeira angola, uma passagem em que o angoleiro desafia o conhecimento do seu camarada. Se não existissem regras, a tesoura jamais seria uma alternativa viável numa luta, visto que coloca o capoeirista em uma situação de certa fragilidade, por estar, praticamente, deitado e de costas para o parceiro, que fica de frente e em pé. Dessa forma, essas normas de conduta vêm no sentido de evitar atitudes de covardia em momentos como este. Situações de deslealdade também podem acontecer quando a tesoura é respondida com outra tesoura por baixo, momento em que alguns se aproveitam para sentar ou montar em cima do parceiro, procurando ridicularizá-lo.

Nas chamadas isso não é diferente. Por exemplo, na chamada que tem por resposta aproximar-se com cabeça na altura da barriga do parceiro, aquele que responde se encontra numa situação de relativa desvantagem perante o outro, pois não tem um campo de visão amplo, estando com as costas curvadas e a cabeça abaixada. Aproveitar-se dessa vulnerabilidade não é esperteza, mas sim falta de ética.

Atitudes como estas colaboram para que os fundamentos da capoeira angola, aos poucos, desapareçam das rodas, pela impossibilidade de se confiar na lealdade de alguns capoeiristas. Uma coisa é criar oportunidades a partir de estratégias de jogo e outra é tirar proveito de uma situação que é natural do jogo e deve ser respeitada.

Não é minha intenção negar os momentos de luta existentes na capoeira angola, muito menos os perigos das tesouras e chamadas, mas sim, defender que até nesses momentos deve presidir uma atitude ética por parte dos angoleiros. Apesar de parecerem palavras dissonantes, a malandragem e a ética coexistem e se complementam na capoeira angola, cabendo aos capoeiristas aprender a se equilibrar sobre essa linha tênue que as aproxima.

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