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A revista Por Dentro da Roda é resultado de um trabalho de muitas mãos, um caminhar coletivo para construir um espaço de diálogo sobre a cultura popular, sobre tradições, sobre capoeira angola. Um espaço de escuta aos mestres e mestras que zelam das manifestações para que suas vozes ocupem e alcancem os mais diversos lugares.
CAIMAN
“Onde vai caiman
caiman, caiman
onde vai caiman
vai para ilhá de maré
onde vai caiman”
CAMUGERÊ
“Camugerê, Como vai, como tá?
Camugerê
Como vai vosmecê?
Camugerê
Eu vou bem de saúde
Camugerê”
Sobre a palavra Camugerê não temos uma informação precisa,
diz-se referir a um antigo quilombo, onde buscavam liberdade e proteção. Sua
localização não é precisa, mas nas cantigas de capoeira conta-se inclusive
sobre uma batalha que lá foi travada. Ouve-se, também, em algumas canções
“Congo de Erê” que pode ser de onde veio a variação Camugerê.
CHULA
A música na capoeira se diferencia em algumas categorias,
cada uma para um determinado momento na roda. A ladainha abre a roda, momento
onde só o mestre (ou quem estiver conduzindo) canta, a louvação é o momento de
se reverenciar a ancestralidade e a espiritualidade junto ao coro e aos demais
instrumentos da bateria. A chula e o corrido são músicas cantadas durante o
jogo, sendo o corrido com versos menores e a chula com estrofes mais
longas.
Ex: Certo dia “tava” na roda
Um
menino me chamou pra jogar
Eu
que sou desconfiado
Comecei
a reparar
O
que estava escrito na camisa
coro Era um tal de Besouro Mangangá
GUNGA
“Gunga é meu, gunga é meu
Gunga é meu, é meu, é meu
Gunga é meu, gunga é meu
Gunga é meu, foi meu pai que me deu”
PARANAUÊ
“Paranauê
Paranauê Paraná
Paranauê
Paranauê Paraná”
PDR: O senhor poderia nos contar como foi seu início na Capoeira Angola e em outras manifestações da cultura de matriz africana como: o afoxé, o samba de roda…? Como foi esse processo? A capoeira que te levou ou o senhor já tinha esse contato antes?
MESTRE PLÍNIO: Legal! Então, o meu primeiro contato com
cultura de matriz africana é com a religiosidade através dos meus familiares,
do meu pai principalmente. Depois eu fui descobrindo que meus avós também eram,
já não mais praticantes, mas na minha caminhada eu fui encontrando sinais,
perguntando e eles foram falando pra mim. Mas o primeiro contato mesmo foi
através do terreiro de candomblé, frequentando festas e tudo. E nesse mesmo
lugar eu tive o prazer de conhecer algumas pessoas que jogavam capoeira, que
eram frequentadores do terreiro e assim eu comecei. Então eu entro através da
religião de matriz africana e descubro a capoeira. Me afasto inclusive da
religião durante um período porque eu estava bem empenhado dentro da capoeira,
praticando e buscando essas informações. Aí dentro da capoeira mesmo eu fui
tendo a sorte de encontrar grandes referências. Dentre elas, a primeira pessoa
que eu posso falar é Mestre Gato que além de ser um grande tocador de berimbau
era também ogã. Ele fazia show de maculelê, puxada de rede e aí eu meus amigos
na época aprendíamos os passos que ele ensinou, e tudo isso era tocado em
atabaque, e aí a gente tinha esse interesse de aprender a tocar atabaque
também. Aí a partir desse contato com Mestre Gato começa a ter esse retorno pra
religiosidade, mas muito para aprender mesmo essa questão musical da
religiosidade africana. E a partir disso na minha caminhada de capoeira eu tive
o privilégio de trabalhar com inúmeras pessoas, muitos músicos, na própria
capoeira tinha muitos músicos na década de 80. Aqui na cidade de São Paulo eu
tive o prazer de treinar com Paulinho Mordomia que era pandeirista do Almir
Guineto, que me ajudou muito nessa caminhada e até no final da década de 80
quando eu encontrei o Mestre Moa do Katendê. Esse sim foi o grande responsável
por me introduzir nessa parte do tambor. Não só na parte da musicalidade da
religião africana, candomblé no caso, mas também no samba reggae, no afoxé e no
samba duro, que é o samba corrido que é feito na época de São João em Salvador.
E como nós trabalhávamos juntos e na aula dele de percussão ele sempre me
chamava pra tocar por conta da capoeira, eu fui mergulhando nisso cada vez
mais. Mas eu considero a introdução mesmo no universo da capoeira, quem me
despertou foi o Mestre Gato, principalmente para berimbau. Essas duas
referências são o impulso inicial, o berimbau com Mestre Gato e com Mestre Moa
já no final da década de 80. Eu estava com 9 ou 10 anos de capoeira quando
conheci Mestre Moa, era bem jovem, tinha 18 ou 19 anos. Foi onde eu mergulhei
mesmo nessa outra parte que era o samba de caboclo, barravento, cabula, congo
de ouro… A partir daí foi que eu mergulhei mesmo nesse universo. Então meu
início se dá por conta da religiosidade, porém, foi na capoeira que eu tive
esse start de prestar mais atenção a esses detalhes da musicalidade, eu devo à
capoeira isso.
Há momentos dentro da Capoeira Angola que são grandes marcos
para a tradição. Ao relembrar esse passado é possível identificar pontos de
referência para se mirar e reverenciar graças a sua importância para a
História. Uma foto em preto e branco que guarda registrada a hora do embarque
de 6 angoleiros para o “Festival de Arte Negra” em Dakar no Senegal é um
desses momentos.
O ano é 1966 e a foto mostra o grupo escolhido por Mestre Pastinha para o
acompanhar na travessia de cruzar o oceano para jogar capoeira no continente
africano. Além de Mestre Pastinha, a comitiva é formada por: Camafeu de
Oxóssi, Mestre Roberto Satanás, Mestre Gildo Alfinete, Mestre João Grande e
Mestre Gato.
E foi durante esse evento histórico que Mestre Gato Preto, concorrendo com mais
de dez países, ganhou em primeiro lugar o prêmio de melhor tocador de berimbau
do mundo.
Mestre Gato Preto nasceu José Gabriel Góes no ano de 1929 em Santo Amaro da Purificação. Ainda criança começou seu treino na capoeira, quando tinha oito anos de idade. Seu primeiro mestre foi seu pai, Eutíquio Lúcio Góes, mas por volta dos doze anos, durante uma das aulas ele acabou o acertando e Eutíquio disse que não treinariam mais juntos. A partir daí Mestre Gato encontraria muitos outros mestres e capoeiristas em seu caminho que foram fundamentais para sua formação.
Em uma entrevista no ano de 1999 ao ser perguntado sobre seu
início na capoeira ele conta que após treinar com seu pai ele treinou também
com seu tio João Catarino, que diz ter sido aluno de Besouro, em seguida com
Mestre Cobrinha Verde, Mestre Waldemar, Mestre Pastinha, Mestre João Grande,
Mestre João Pequeno.
Ao ganhar desenvoltura no jogo da capoeira, Mestre Gato ficou conhecido por
demonstrar agilidade dentro da roda executando os movimentos com rapidez e
precisão. Tal qual um gato, como é lembrado até hoje.
Durante seu trabalho de capoeira Mestre Gato abriu uma academia na Bahia, em meados dos anos 70 dava aulas em Brasília, chegando até a se apresentar na inauguração da cidade e ao longo dos anos 90 também estabeleceu um trabalho em São Paulo. Além de suas viagens pelo Brasil e por diversos países do mundo também para dar continuidade a tradição da capoeira.
Mestre Gato Preto de Santo Amaro, também chamado de Berimbau
de Ouro, tocava a história da capoeira, história das vivências que colecionou e
de tudo que presenciou durante sua vida dedicada à tradição da Capoeira
Angola.
Nas manifestações culturais de matriz africana a
musicalidade é um elemento fundamental. O canto bem entoado, o som dos
tambores, berimbaus, das caixas e demais instrumentos, proporcionam uma
experiência marcante, de forma a trazer encantamento aos que participam e
observam. Porém, essa não é sua única ou primeira função.
Seja na Capoeira Angola, no Candomblé, no Jongo, no Samba de
Roda ou nas Congadas, a musicalidade vai muito além do prazer que o som nos
proporciona, ela é um dos alicerces que compõem o ritual. As músicas trazem
significado e um sentido para tudo o que acontece. É importante entender que
nesses rituais nada é em vão, tudo tem o seu porquê, mesmo que esteja além de
nossa compreensão. Um exemplo disso está na fala do Dada Daagbo Hounon Houna
II, considerado a autoridade máxima do Vodun:
Quando eu tiro uma música tradicional ... talvez em transe,
com pessoas ao redor olhando, talvez você esteja doente, você se aproxima e a
partir daquele momento a mensagem enviada pela música pode ajudar em sua cura
... apenas através da escuta daquele som. Então, não é somente pelo prazer que
nós organizamos eventos com tambores, que nós organizamos eventos com música.
Nem todas as músicas têm a mesma finalidade.*
Dada Daagbo reconhece o prazer que a música nos proporciona,
mas esclarece que esse não é o motivo que justifica a sua presença nos rituais,
ele enfatiza a importância de suas mensagens, que envoltas em ritmo e harmonia
afetam nossos corpos e têm a capacidade de nos curar. Mas, como ele mesmo diz:
“Nem todas as músicas têm a mesma finalidade”. Não é qualquer música que se
encaixa no que ele falou, nem mesmo a música por si só, cantada ou tocada por
qualquer pessoa em qualquer momento. É preciso conhecer as músicas, suas
mensagens, suas aplicações e implicações.
Nas manifestações culturais de matriz africana a relação da
estética com o fundamento está sempre presente. Quando falo de estética não me
limito apenas às questões visuais, mas também uma estética de sons, odores e
sabores… Os sentidos são extremamente estimulados pois é através deles que as
mensagens chegam até nós. Não é a busca da estética pelo prazer físico, que de
forma alguma é negado, pelo contrário, é essencial, mas que não se basta por si
só. Adornos, ritmos, sons, gostos e cheiros são o passaporte que nos levam a
esse mundo de encantamento que causam transformações físicas e psicológicas em
quem se permite essa experiência.
A musicalidade envolve o ritual e cria a atmosfera
necessária para que o mesmo aconteça. Se a melodia e o ritmo animam os corpos,
as mensagens que a música traz os conduz. A estética sonora, apesar de
importante, é vazia se não acompanhada do fundamento, daí a grande
responsabilidade daqueles que estão encarregados de cantar e tocar, que não se
resume apenas às questões técnicas.
É fundamental ter domínio do instrumento, entoar um canto
harmônico e saber tocar em conjunto. Mas, também, é essencial compreender os
fundamentos do ritual, o momento certo de cantar determinada música, o toque
mais apropriado para certa ocasião, a hora de começar ou terminar a música, e,
somente a dedicação, o tempo e a vivência combinados podem trazer as bases para
a condução de um ritual, não fosse verdade, qualquer percussionista seria um
ogã.
*Minha tradução – Entrevista disponível em https://www.youtube.com/watch?v=T45poKWlEKM
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Angola
“Angola, Guiné, eu não posso esquecer
Capoeira de Angola
É a razão do meu viver”
-Mestre Jogo de Dentro
Aruanda
“Tim, tim, tim Aruandê
Aruanda, Aruanda, Aruandê”
(Domínio público)
Palavra utilizada nas religiões afro-brasileiras para indicar a terra espiritual, morada dos orixás e/ou entidades de luz. Sua definição mais específica irá variar de acordo com cada religião e terreiro. Uma associação comum é feita com Luanda, em Angola. Muitas canções fazem menção à terra de Luanda, num sentido de desejo de retorno para a terra natal da qual varios negros foram retirados à força.
Baraúna
"Baraúna caiu, quanto mais eu
Quanto mais eu, quanto mais eu
Baraúna caiu, quanto mais eu
Quanto mais eu, colega velho
Baraúna caiu, quanto mais eu"
(Domínio Público)
Luanda
“Luanda, Benguela, Angola me chama
Capoeira de Angola
Só entende quem a ama...”
-Mestre Jogo de Dentro
Humaitá/ Maitá
"Sou eu Humaitá, sou eu Humaitá sou eu
Sou eu Humaitá sou eu, sou eu Humaitá sou eu..."
(Domínio Público)
A palavra Humaitá tem também o seu desdobramento Maitá, ambos encontrados nas cantigas de capoeira. 1- Humaitá era o nome de uma fortaleza estratégica, durante a Guerra do Paraguai, que quando conquistada pelos combatentes brasileiros, trouxe significativa vantagem aos mesmos. A Guerra do Paraguai contou com a participação de muitos escravizados que foram pela promessa de liberdade. 2- No campo espiritual, para algumas religiões afro-brasileiras, Humaitá se refere à morada de Ogum, o Senhor das Guerras e das Vitórias. 3- Humaitá, também, é uma raça de um touro bastante forte. A palavra, dessa forma, permite várias interpretações acerca das músicas quando cantadas.
Pelourinho
“Capoeira lá no Pelourinho
Eu também já joguei lá
Capoeira lá no Pelourinho
Eu também já joguei lá
Domingo e feriado
Todos os mestres estavam lá...”
-Mestre Boca Rica
Bairro de Salvador da região do Centro Histórico conhecido por sua importância sociocultural, sua paisagem é conhecida por conjuntos arquitetônicos do período colonial. O local é palco de várias manifestações culturais e fonte de inspiração artística para grandes nomes como Jorge Amado (por exemplo em Tenda dos Milagres) e Carybé. A palavra "Pelourinho", no entanto, é usada para designar colunas de pedras onde escravizados ou pessoas consideradas criminosas eram castigadas. Colunas como essas costumavam ser instaladas em lugares públicos.
UM POUCO DA MINHA HISTÓRIA
Nasci em Belo Horizonte, no ano de 1963, no dia 3 de
março, no Bairro Saudade (antiga Vila Parque Cruzeiro do sul), divisa com os
bairros Vera Cruz e Bairro Flamengo (hoje Alto Vera Cruz), região leste de BH.
O bairro Saudade era formado por um cinturão de fazendas e espaços verdes,
ainda era considerado zona rural.
Sou o caçula de 7 irmãos (Jorge, Antônio, Maria de Lurdes,
Maria Antonina, Ana Maria, Mariza), filho de Dona Maria Luísa da Silva, mais
conhecida como Dona Luísa, que era benzedeira muito conhecida no bairro e filho
do Sr. José Moreira da Silva, policial reformado.
A casa de minha mãe, Dona Luísa, tinha um enorme quintal que
fazia divisa com o córrego Taquaril, que ficava duas quadras abaixo do
cemitério Saudade. Minha mãe tinha um mercadinho no lote da nossa casa e também
engordava porcos, criava galinhas, tínhamos horta e muitas frutas no quintal.
Tive uma infância farta, livre e muito feliz.
Lembro-me bem de quando matava porco na minha casa; era uma
festa. Este porco era repartido com os moradores, cada um levava um pedacinho e
eles também, quando matavam um porco, faziam da mesma forma, sempre ganhávamos
um pedaço.
No córrego, quase não falamos ‘córrego Taquaril’, tomávamos
banho, nadavamos e as mulheres da comunidade lavavam as roupas sujas de toda a
família. O córrego nos sábados e domingos era uma festa só, nosso
lazer.
Havia bem próximo da nossa casa o sítio do Sr. Simão, não
era dele, era arrendado, mas ele plantava de tudo: melancia, tomate, alface e
muitos pés de frutas. Naquele tempo, ele levava a colheita para vender na feira
do mercado Central. O caminhão ia lá buscar. O transporte coletivo não chegava
depois do córrego; tinha como ponto final o cemitério da Saudade.
A escola, esta nunca me atraiu, não conseguiu me segurar.
Desde muito cedo sofri na pele o preconceito e o racismo pela diretora,
professoras e colegas. Cursei até o 4º ano de grupo. Eu não me sentia bem na
escola, me formei no 4º ano primário (tirei até o diploma) e não voltei lá
mais.
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