As transformações no interior das tradições revelam um
contínuo processo de atualização que é condição fundamental para a perpetuação
das mesmas. Resistência e transformação se apresentam intimamente ligadas e
interdependentes. As tradições se atualizam constantemente sem, contudo, perder
de vista o passado, que orienta todo esse processo.
Reconhecer o seu caráter dinâmico não implica ser
conivente com todo e qualquer tipo de mudança. O processo de globalização da
Capoeira Angola iniciado em meados dos anos 70, somado a uma crescente
orientação mercadológica e exposição midiática, facilitam algumas “inovações”
que abalam a tradicionalidade dessa prática, como por exemplo: o incremento de
golpes ou movimentos novos, adoção de trajes erotizados ou não condizentes com
o momento da roda, apropriação de músicas advindas de outras práticas, entrega
de títulos de forma banalizada ou auto intitulação.
De acordo com Vilas (2012, p.61-62), essas inovações e
negligências acontecem, muitas vezes, devido ao ímpeto imediatista de jovens
performáticos contemporâneos que, no afã de suprirem seus rasos desejos,
canibalizam o patrimônio cultural imaterial. Esse tipo de postura facilita o
surgimento de uma Capoeira Angola “moderna”, não tradicional, de frente para o
futuro e de costas para o passado. Essa nova forma de se conceber a Capoeira
Angola relativiza a importância dos fundamentos em detrimento do espetáculo,
comprometendo a sua continuidade, uma vez que não representa uma transformação
e sim uma diferenciação.
Esse imediatismo contemporâneo dificulta o processo de
conscientização de seus adeptos, visto que atropela etapas importantes para a
formação na Capoeira Angola que, sob a perspectiva da tradição, demanda tempo e
experiência.
A própria denominação, Capoeira Angola, surge como uma forma
de identidade e resistência, vinculando-a à uma forma mais tradicional de se
compreender essa arte, em detrimento das transformações implementadas por
mestre Bimba através da Capoeira Regional, no início do século XX.
As tradições apresentam rígidas restrições que, se não
respeitadas, comprometem a sua própria existência. Portanto, algumas dessas
transformações, que alguns teimam em defender como inovações, apenas
descaracterizam a Capoeira Angola e assim vão “surgindo” várias capoeiras. Ser
tradicional não implica estar desconexo de seu tempo, pois, para se manterem
vivas, as tradições precisam interagir com o contemporâneo, mas sem abandonar a
sua essência.
VILAS, Paula Cristina. Identidades em Multidimensão:
pesquisa e método no campo do patrimônio intangível em América Latina. Conceição
| Conception, Campinas, Unicamp, v. 1, n. 1, p.59-74, dez. 2012.
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