quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Iê, dá volta ao mundo

 


Marcela Ferreira da Silva

Vitória Brasileira

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Capoeiristas se reúnem em círculo para ouvir a ladainha de abertura, em seguida, em duplas, se dirigem ao pé do berimbau para testarem suas artimanhas na roda aos olhar atento dos demais, que esperam sua vez.

Ao final, é possível que ao invés de se despedirem todos continuem ali para mais uma roda, dessa vez de samba. O som do pandeiro e da faca riscando o prato envolve a todos, e logo se vê o girar de uma saia no centro da roda. O samba avança noite adentro e a festa continua...

Um olhar atento a essa cena, tão corriqueira no cotidiano da capoeira, é capaz de perceber um fundamento em comum presente em grande parte das manifestações de matriz africana, a circularidade. O círculo é um conceito presente nas filosofias e nas cosmologias africanas. Em rodas acontecem, por exemplo: a capoeira, o samba, o jongo... Isso se deve a características intrínsecas da forma circular, que possibilita uma relação espacial mais harmônica dentre aqueles que partilham daquele ambiente, bem como, facilita que a energia flua em seu interior e não se dissipe.

Não há aqui  intenção de desvendar ou destrinchar esse fundamento. Afinal de contas, o mistério também é um espaço que a capoeira habita. Esse texto parte do desejo de reflexão a respeito do tema, sua base é construída na oralidade e também no estudo dos pesquisadores Busenki Fu-Kiau, Mestre Pavão e Zeca Ligiéro.  

Uma das circularidades que podem ser observadas na roda é seu movimento anti-horário, na "volta ao mundo". Uma possível interpretação seria a reversão temporal, um caminhar com o passado, uma referência à ancestralidade. Uma noção de um tempo circular em que passado-presente-futuro não são divisíveis mas confluentes.

Mestre Pavão faz um apontamento em seu livro, "O corpo na capoeira", sobre a cinesfera. A cinesfera é um termo que se refere ao espaço ocupado pelo corpo, até onde ele alcança e se mexe. Na roda, o capoeirista se movimenta de forma circular dentro de um círculo maior. Essa ideia, um círculo dentro do outro sucessivamente, remete a um outro símbolo muito importante, que é a espiral, que apresenta uma noção de movimento contínuo, retornando e seguindo o seu fluxo constantemente.

Um círculo ou uma espiral não apresentam uma origem ou fim. São símbolos de movimento, de continuidade. Assim é na roda de capoeira e no corpo do capoeirista, o jogo depende do movimento para prosseguir a sua cadência.  


Referências: 

 LIGIERO, Zeca. "Batucar-cantar-dançar: desenho das performances africanas no Brasil." Aletria: revista de estudos de literatura 21.1 (2011): 133-146. 

LIGIERO, Zeca. "O conceito de “motrizes culturais” aplicado às práticas performativas afro-brasileiras." Revista PÓS ciências sociais 8.16 (2011). 

SILVA, Eusébio Lôbo da. "O corpo na capoeira." Campinas: Editora da Unicamp (2008).


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