quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Mestre Waldemar e o Corta- Braço

 

Lucas Machado Goulart 

Vitória Brasileira


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Waldemar Rodrigues da Paixão nasceu em 1916. Ainda rapaz, por volta de seus 20 anos de idade começou a aprender capoeira no bairro de Periperi, subúrbio de Salvador. Ele conta que, naquela época, quando ia para as rodas, comprava duzentos réis de vinho tinto e a bebida o ajudava a se aproximar dos capoeiristas, que em troca lhe ensinavam a arte da malandragem. Mestre Waldemar destaca como os principais responsáveis por sua formação: Siri de Mangue, Canário Pardo, Talabi e Ricardo da Ilha de Maré. Processo que durou quatro anos, em seguida, passou a ensinar.

Mestre Waldemar se eternizou não só como um exímio cantador e tocador. Aprimorou a funcionalidade e a estética do berimbau, utilizando o arame cru e pintando os seus berimbaus, o que virou referência na Capoeira Angola. Além disso, conduziu com maestria uma das rodas, se não a roda, mais emblemática da história da capoeira, por onde passaram elementos perigosos e grandes nomes dessa arte. Uma roda que só mesmo um grande capoeira poderia mestrar.

Mestre Waldemar não admitia “barulho” em sua roda, ali era lugar de vadiação e capoeira jogada seguindo os fundamentos, segundo ele: “Capoeira bom não pega você pra lhe derrubar de mão, tem que derrubar você é de pé e cabeça”.

Por seu Barracão também passaram grandes personalidades, nacionais e internacionais, interessados em conhecer a cultura afro-brasileira em seu mais genuíno ambiente, a periferia, e desenvolvida por seu mais verdadeiro agente, o povo. As rodas aconteciam no atual Bairro Pero Vaz, que, no final da década de 40, era conhecido como Corta-Braço.

Constituída a partir de uma pequena comunidade, a região ganhou maior relevância social e se destaca como a primeira ocupação de Salvador. A população, predominantemente negra e em condição de pobreza,  que ali se instalava, buscava um lugar para morar devido aos altos valores dos imóveis nas demais regiões da cidade.  Posteriormente, o local passa a ser o Bairro da Liberdade. 

A denominação Corta-Braço, segundo algumas pesquisas, advém da realidade do local, que abrigava um grande matagal onde ladrões se escondiam e investiam sobre algumas pessoas, às vezes ferindo-as, na tentativa de furto. 

As descrições encontradas a respeito da região do Corta-Braço pintam a imagem de um lugar que não recebia assistência da cidade ou estado. As moradias não eram consideradas legítimas por serem fruto de ocupação, o que gerava sempre ameaças de despejo. 

O Partido Comunista Brasileiro teve um importante papel e atuação na região, apoiando as invasões e promovendo algumas ações, o que aproximou vários intelectuais e artistas do cotidiano do local. Muitos destes tiveram o privilégio de acompanhar e registrar as rodas de capoeira no Barracão do mestre Waldemar, como é o caso de Eunice Katunda que, admirada com o que pode observar ali, escreveu o artigo “Capoeira no terreiro de mestre Waldemar”.

Na época, apesar de existir um singelo investimento do governo para a capoeira, a região não era destino de tais verbas públicas, as quais tinham maior predileção às áreas turísticas. Ali, no subúrbio, a capoeira se movimentava, sobretudo, graças aos esforços de Mestre Waldemar e dos demais capoeiras que o acompanhavam na domingueira.

As rodas ganharam grande repercussão, o que chamou a atenção de personalidades da época. A cultura da capoeira no Corta-Braço reflete fundamentos estruturantes da tradição que é a ginga de vadiação e resistência. As rodas de domingo de Mestre Waldemar eram um momento de lazer para a comunidade, mas também um modo de manifestar sua luta por seus direitos à liberdade e à moradia. 

Hoje, o Barracão de Mestre Waldemar é referência histórica para capoeiristas e interessados nesse universo devido a seu grande valor cultural. Tão grande foi a proporção que tomaram as rodas de Mestre Waldemar, que muito se produziu sobre ele também fora do universo da capoeira.

A antropóloga Simone Dreyfus, durante uma de suas viagens de estudos ao Brasil, registrou por meio de uma gravação de áudio de uma das rodas. Diferentemente de uma gravação de estúdio, a pesquisadora gravou o próprio ambiente em sua espontaneidade. O áudio é um conteúdo riquíssimo pois guarda os sons e as músicas cantadas pelos capoeiristas da época. A gravação foi editada e publicada em 1956 pelo Museu do Homem (Musée de l'Homee) em Paris. 

Também foram escritos muitos livros a seu respeito, entre eles destacam-se "O Barracão de Mestre Waldemar" de Fred Abreu e trechos dentro de "Bahia de Todos os Santos" de Jorge Amado. É importante citar também as pinturas de Carybé e as fotografias de Pierre Verger e Marcel Gautherot. São artistas que acompanharam e registraram o cotidiano do Corta- Braço e a dinâmica social da capoeira de Mestre Waldemar.  


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