Lucas Machado Goulart
Vitória Brasileira
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Waldemar Rodrigues da Paixão nasceu em 1916. Ainda rapaz,
por volta de seus 20 anos de idade começou a aprender capoeira no bairro de
Periperi, subúrbio de Salvador. Ele conta que, naquela época, quando ia para as
rodas, comprava duzentos réis de vinho tinto e a bebida o ajudava a se
aproximar dos capoeiristas, que em troca lhe ensinavam a arte da malandragem.
Mestre Waldemar destaca como os principais responsáveis por sua formação: Siri
de Mangue, Canário Pardo, Talabi e Ricardo da Ilha de Maré. Processo que durou
quatro anos, em seguida, passou a ensinar.
Mestre Waldemar se eternizou não só como um exímio cantador
e tocador. Aprimorou a funcionalidade e a estética do berimbau, utilizando o
arame cru e pintando os seus berimbaus, o que virou referência na Capoeira
Angola. Além disso, conduziu com maestria uma das rodas, se não a roda, mais
emblemática da história da capoeira, por onde passaram elementos perigosos e
grandes nomes dessa arte. Uma roda que só mesmo um grande capoeira poderia
mestrar.
Mestre Waldemar não admitia “barulho” em sua roda, ali era
lugar de vadiação e capoeira jogada seguindo os fundamentos, segundo ele:
“Capoeira bom não pega você pra lhe derrubar de mão, tem que derrubar você é de
pé e cabeça”.
Por seu Barracão também passaram grandes personalidades,
nacionais e internacionais, interessados em conhecer a cultura afro-brasileira
em seu mais genuíno ambiente, a periferia, e desenvolvida por seu mais
verdadeiro agente, o povo. As rodas aconteciam no atual Bairro Pero Vaz, que,
no final da década de 40, era conhecido como Corta-Braço.
Constituída a partir de uma pequena comunidade, a região
ganhou maior relevância social e se destaca como a primeira ocupação de
Salvador. A população, predominantemente negra e em condição de pobreza,
que ali se instalava, buscava um lugar para morar devido aos altos valores dos
imóveis nas demais regiões da cidade. Posteriormente, o local passa a ser
o Bairro da Liberdade.
A denominação Corta-Braço, segundo algumas pesquisas, advém
da realidade do local, que abrigava um grande matagal onde ladrões se escondiam
e investiam sobre algumas pessoas, às vezes ferindo-as, na tentativa de
furto.
As descrições encontradas a respeito da região do
Corta-Braço pintam a imagem de um lugar que não recebia assistência da cidade
ou estado. As moradias não eram consideradas legítimas por serem fruto de
ocupação, o que gerava sempre ameaças de despejo.
O Partido Comunista Brasileiro teve um importante papel e
atuação na região, apoiando as invasões e promovendo algumas ações, o que
aproximou vários intelectuais e artistas do cotidiano do local. Muitos destes
tiveram o privilégio de acompanhar e registrar as rodas de capoeira no Barracão
do mestre Waldemar, como é o caso de Eunice Katunda que, admirada com o que
pode observar ali, escreveu o artigo “Capoeira no terreiro de mestre Waldemar”.
Na época, apesar de existir um singelo investimento do
governo para a capoeira, a região não era destino de tais verbas públicas, as
quais tinham maior predileção às áreas turísticas. Ali, no subúrbio, a capoeira
se movimentava, sobretudo, graças aos esforços de Mestre Waldemar e dos demais
capoeiras que o acompanhavam na domingueira.
As rodas ganharam grande repercussão, o que chamou a atenção
de personalidades da época. A cultura da capoeira no Corta-Braço reflete
fundamentos estruturantes da tradição que é a ginga de vadiação e resistência.
As rodas de domingo de Mestre Waldemar eram um momento de lazer para a
comunidade, mas também um modo de manifestar sua luta por seus direitos à
liberdade e à moradia.
Hoje, o Barracão de Mestre Waldemar é referência histórica
para capoeiristas e interessados nesse universo devido a seu grande valor
cultural. Tão grande foi a proporção que tomaram as rodas de Mestre Waldemar,
que muito se produziu sobre ele também fora do universo da capoeira.
A antropóloga Simone Dreyfus, durante uma de suas viagens de
estudos ao Brasil, registrou por meio de uma gravação de áudio de uma das
rodas. Diferentemente de uma gravação de estúdio, a pesquisadora gravou o
próprio ambiente em sua espontaneidade. O áudio é um conteúdo riquíssimo pois
guarda os sons e as músicas cantadas pelos capoeiristas da época. A gravação
foi editada e publicada em 1956 pelo Museu do Homem (Musée de l'Homee) em
Paris.
Também foram escritos muitos livros a seu respeito, entre
eles destacam-se "O Barracão de Mestre Waldemar" de Fred Abreu e
trechos dentro de "Bahia de Todos os Santos" de Jorge Amado. É
importante citar também as pinturas de Carybé e as fotografias de Pierre Verger
e Marcel Gautherot. São artistas que acompanharam e registraram o cotidiano do
Corta- Braço e a dinâmica social da capoeira de Mestre Waldemar.
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